Imagem do logo do Centro de Memória da Amazônia

W3.CSS PÁGINA EM CONSTRUÇÃO

Exposição "As rosas Marga não morrem" (2019)

Biografia


text-indent
BIOGRAFIA PUBLICADA POR MÁRCIA EVANGELISTA NO DIÁRIO DO PARÁ, em 27/04/2010

Segunda metade dos anos 40 e a Europa do pós-guerra estava completamente destruída: fome, desemprego, desespero. Apenas se safara da ditadura nazi-facista a União Soviética (atual Rússia) sob as rédeas de Stálin e os Estados Unidos, do outro lado do Atlântico, que saíra com poucos estragos. Nesse período, a Alemanha sofria com tudo isso e ainda carregava a culpa pela morte de milhares de judeus nos campos de concentrações. Nesse cenário, mais precisamente em Ückenberg (Alemanha), uma região de extração de carvão mineral, Marga, uma menina de apenas oito anos aguardava com a mãe o momento da parada de uns dos vagões dos trens, que seguiam abarrotados de carvão para a Rússia. O mineral, que era extraído duramente pelos alemães, era “doado” aos russos, enquanto centenas de famílias, depois de horas de trabalho a fio nas minas, não tinham com o que se aquecer no duro inverno do leste Europeu. As duas mulheres conseguem entrar no vagão para roubar o minério, mas acabam atacadas pelos cães do exército stalinista. Só escapam porque conhecem um dos soldados, que prefere deixá-las partir sem alarde. Aquela atitude, mesmo nobre, poderia resultar em prisão ou até mesmo morte. Voltam para casa para encontrar as outras crianças da família. A essa altura o pai da pequena Marga, ex-soldado alemão, era prisioneiro de guerra na Rússia. Essa foi uma cena triste da história mundial e também na vida de uma alemã que naturalizou-se brasileira e tornou-se uma paraense da gema. Mas, ao invés de viver marcada pelo passado dolorido, ela fez disso uma motivação para lutar pelos direitos humanos na Amazônia e aqui propagar a fé cristã. Assim é a pastora luterana Rosa Marga Rothe, que imigrou para o Brasil com a família no fim dos anos 40, início dos anos 50. Viveu a adolescência e a juventude em Teófilo Otoni, em Minas Gerais, mas resolveu formar sua família em Belém. Casou com um brasileiro, criou três filhos: Rui, Max e Iva Rothe, que é hoje uma grande cantora e compositora paraense. O envolvimento de Marga com a luta pelos direitos humanos no Pará começa quando ela ingressa no curso de Teologia da Universidade Federal do Pará, nos “anos de chumbo”, onde presenciou perseguições e mortes a estudantes pelo regime militar. Nessa época, conheceu outros nomes importantes da história política do Estado e que foram símbolos da luta pelo feminismo: Iza Cunha e Ecilda Veiga. As duas combatiam a ditadura e realizavam pequenos seminários que, a partir da união de outras pessoas como a própria Marga Rothe, deu origem à Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, em 1977. A entidade transformou-se num marco histórico, pois agregava partidos políticos, movimentos sociais, ONG’s, sindicatos e segmentos da Igreja Católica. “Antes de nascer a SDDH, lembro que um dia passeava de carro com meus filhos. Parei numa esquina e disse a eles que adiante ficava a sede da Sociedade de Defesa dos Animais. A Iva, bem pequeninha nessa época, me perguntou: – Mas mãe, aonde é que fica sociedade de defesa dos humanos? Aquela pergunta ficou martelando na minha cabeça por um bom tempo”, lembra Marga. Além de teóloga, ela tornou-se especialista e mestra em Antropologia Social, fundou a Paróquia de Confissão Luterana em Belém e participou de várias iniciativas feministas. Fugiu do regime, embora nunca tenha sido presa, e lembra de um dos momentos mais marcantes dos quais participou. Foi entre os anos de 1981 e 1984, quando foi ativista no Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia, no qual coordenou a comissão ecumênica. Ajudou a coletar mais de 50 mil assinaturas, perante à Justiça Militar, pela libertação dos 15 presos do Araguaia. Mas a redemocratização do país, finalmente, chegou pelas mãos do movimento das Diretas Já, em 1985. Tancredo Neves é eleito presidente e a cantora paraense Fafá de Belém imortaliza uma nova versão do Hino Nacional Brasileiro em sua intensa e rouca voz… Marga coordena uma equipe de educação popular no Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais (CIPES) e promove a alfabetização de adultos, através do método Paulo Freire. Novos tempos chegaram à nação cansada de armas. Na década de 90, inquieta e empreendedora, Marga Rothe cria a primeira ouvidora do Sistema Estadual de Segurança Pública do Pará, por indicação da SDDH e apoio da sociedade civil. Como ouvidora, permaneceu até 2005 e participou de várias iniciativas pioneiras em nosso Estado, como a criação do Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas Ameaçadas no Pará e do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Depois de integrar a Campanha Estadual Contra a Tortura, em dezembro 2004, foi agraciada com o Prêmio Direitos Humanos da Presidência da República, na categoria “Segurança Pública”. No dia 10 de dezembro de 2008, data em que comemorou-se os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da Constituição Brasileira, Marga Rothe ganhou o Prêmio José Carlos Castro, dado pela Ordem dos Advogados do Brasil – seção Pará. Depois de enfrentar a Segunda Guerra Mundial, passar pela ditadura militar no Brasil e ainda por cima saber que há tantos desentendimentos entre as nações e muitas desigualdades em nosso país, ela ainda tem fé: “Acredito que os direitos humanos serão respeitados na Amazônia e no mundo, tenho fé no futuro”, encerra. Por que se orgulhar ? Marga Rothe nasceu na Alemanha, mas tem orgulho de se dizer brasileira e, especialmente, paraense. É uma das maiores defensoras dos direitos humanos na Amazônia, uma das precursoras do movimento feminista no Pará, além de sobrevivente do maior conflito bélico da humanidade, onde se inspirou para nortear sua atuação profissional e pessoal.

HEMEROTECA DIGITAL (Jornal do Brasil, 30/03/1983. Edição: 00352) Rothe oferece sua casa para 3 mulheres que vieram de São Geraldo do Araguaia para visitar seus maridos posseiros que estavam presos aqui em Belém no ano de 1983, nesse momento, a antropóloga era coordenadora da comissão ecumênica. FOLHA DE SÃO PAULO (DENÚNCIA DE TORTURA/ 11/10/1999) “Batemos no cara à toa", diz secretário de Defesa Social, “Eu sempre fui violento.” “Nós pegamos o sujeito, batendo no cara à toa.” Essas frases foram ditas pelo secretário de Defesa Social do Pará, ex-delegado Paulo Sette Câmara. Responsável em 1997 e ainda hoje pela segurança pública do Estado, Sette Câmara fez as afirmações em conversas com o delegado Clóvis Martins, acusado de comandar a sessão de tortura a Hildebrando Freitas. Sem o conhecimento do secretário, que ainda o considerava um amigo, Martins gravou uma conversa entre os dois ocorrida na casa do delegado, em Belém, e um telefonema. A transcrição oficial integra os autos do inquérito. Amigos havia mais de 20 anos, Sette Câmara e Martins estavam estremecidos devido à ordem do secretário para que se investigasse o que ele considerava espancamento de Freitas -a sindicância viria a ser arquivada pela Corregedoria de Polícia Civil. "Eu sempre fui violento", disse Sette Câmara no diálogo registrado em vídeo. "Quer dizer, eu sempre fui é agressivo... e... autoritário, achava que a gente tá acima da lei e etc (...)”. “Eu não sabia do poder do Estado." Em outro trecho, afirmou, sem se referir a algum caso específico: "Clóvis, você é delegado, e eu tô falando de delegado, ponto. (...) Nós sabemos, quer dizer: nós pegamos... nós pegamos o sujeito, batendo no cara à toa". O secretário mostra intimidade com o delegado. Martins estava irritado com a atuação da Ouvidoria da Polícia do Pará no apoio a Hildebrando Freitas. Para tranquilizá-lo, Sette Câmara dá a entender que a criação da Ouvidoria teria sido uma manobra política. "O que a gente conseguir que... que eu tinha conciliado com o Gilvandro Furtado, então delegado geral" era a possibilidade daquela porra a Ouvidoria da Polícia", daquele trem lá funcionar durante um período x", disse Sette Câmara. "Até que ela a ouvidora Rosa Marga Rothe" fizesse ou não alguma coisa, porque aí ter-se-ia dado oficialmente uma oportunidade de ela fazer o raio que os parta e não fez." Sobre a casa de samba Cadência, cujo funcionamento foi a origem da prisão de Hildebrando Freitas, o delegado Martins falou: "Ali inclusive é ponto de reunião do PT". O secretário respondeu: "Sim, é do PT, que é inimigo do governador “Almir Gabriel, PSDB”, quer dizer, é do partido contrário”. Clóvis Martins disse que o conteúdo das fitas "fala por si". Sette Câmara se manifestou apenas em 1998, condenando o que chamou de invasão de privacidade. Quase dois anos depois, eles estão rompidos. CONDECORAÇÃO (Dr. Honoris Causa, disponível no Portal Luteranos, em 11/08/2010) A Pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Ex-Ouvidora do Sistema Estadual de Segurança Pública do Pará e sócia de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, Rosa Marga Rothe, foi condecorada no dia 3 de setembro, no Auditório do Colégio Sinodal, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, com o título de Doutora Honoris Causa pela Faculdades EST. Como pioneira da vivência do evangelho de Jesus Cristo junto aos movimentos sociais do estado do Pará, afirmou o reitor da Faculdades EST, Dr. Oneide Bobsin, a pastora Rosa Marga Rothe transcendeu os limites das instituições que esqueceram de seus compromissos com a dignidade de todos os seres humanos, especialmente dos excluídos pelas desigualdades sociais. Segundo o reitor, a voz profética de Marga Rothe denunciou injustiças, expondo os poderes que matam seres humanos e demais seres da Criação. A Faculdades EST outorga este título à pastora Marga Rothe e aos movimentos sociais que lutam pela dignidade da vida, a fim de que a graça e a verdade se encontrem e a paz e a justiça se beijem, conforme Salmo 85, 10, destacou. Primeira pastora ordenada a trabalhar junto à Comunidade Evangélica Luterana de Belém do Pará, Marga Rothe é reconhecida nacionalmente por sua militância em prol dos direitos humanos, tendo desempenhado papel protagonista frente ao Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia na década de 80 do século passado. Presidenta da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH) entre 1987 e 1991, coordenou a equipe de Educação Popular do Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais, promovendo a alfabetização de adultos a partir do método Paulo Freire. Filha de imigrantes alemães, Marga Rothe ingressou no curso de Teologia da Universidade Federal do Pará em 1976, concluindo o mestrado em Antropologia Social nesta mesma universidade, em 1998. Preocupada com a garantia dos direitos das mulheres e de setores sociais marginalizados, contribuiu ativamente para a criação, na década de 80, da Pastoral Popular Luterana (PPL). Em sua atividade como Ouvidora do Sistema de Segurança Pública no Estado do Pará, Marga Rothe contribuiu para diminuir a ocorrência de crimes e torturas impetrados por agentes de segurança pública, articulando também o Programa de Proteção de Vítimas, Familiares e Testemunhas de Violência (PROVITA). Em reconhecimento à sua militância foi condecorada, em 2004, com o prêmio de Direitos Humanos conferido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do gabinete da presidência da República e, em 2008, com o Prêmio José Carlos Castro, concedido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Belém do Pará. Nascida em Mückenberg, na Alemanha, Marga Rothe é divorciada e tem dois filhos e uma filha. Antes de vir para o Brasil com a mãe e duas irmãs no final da década de 40 do século passado, experimentou ainda criança as perseguições contra mulheres e meninas na conjuntura do pós-guerra. Antes de concluir o curso de Teologia e tornar-se referência na promoção e garantia dos direitos humanos, especialmente no estado do Pará, a pastora luterana trabalhou como vendedora, caixa, auxiliar de escritório, cabeleireira e esteticista. NOTÍCIA SOBRE FALECIMENTO E UMA PEQUENA NOTA BIOGRÁFICA (disponível no jornal O Liberal 06/06/2016) Nascida na Alemanha, ela chegou ao Brasil aos nove anos, em 1949. Morou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais e se transferiu para o Pará, onde iniciou sua trajetória em defesa dos Direitos Humanos e do feminismo, aos 20 anos de idade. Formou-se em Teologia na Universidade Federal do Pará (UFPA) e depois se tornou mestra em Antropologia Social. Além de lutar contra a ditadura, Marga foi uma das fundadoras e presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), da qual foi conselheira até antes de sua morte. Ela também foi pastora da Igreja Luterana e ativista do Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA). Em 1997 foi nomeada ouvidora do Sistema de Segurança Pública, cargo que ocupou por seis anos, e recebeu várias premiações pela sua atuação na área de direitos humanos. ROTHE RECEBE HONRARIA NA IECLB (disponível no portal luteranos, em 08/09/2010) Inicialmente expresso gratidão por esta oportunidade de poder externar alguns pensamentos num momento tão significativo como este. A Pa. Marga é a primeira mulher, pastora, que recebe esta honraria na IECLB, através da EST. Este reconhecimento público dignifica o ministério pastoral portador do anúncio e vivência da Palavra libertadora de Deus, ao qual a colega tem se dedicado por mais de 30 anos. A Pa. Marga e eu nos conhecemos em 1987, na então Escola Superior de Teologia. Com um grupo de colegas realizávamos na ocasião o Pró Ministério, requisito para a ordenação pastoral da IECLB. Foram dias especiais e ímpares. Uma das particularidades foi a decisão de assumirmos um jejum de resistência e protesto à forma de realização da avaliação. Este jejum aconteceu durante 3 dias. Mas para Marga, como se não bastasse a tal idéia do jejum, esses dias foram marcados por uma forte pneumonia, tanto que a colega não pode estar com o grupo, compartilhando esses momentos vividos tão intensamente. Mas o fato de ela estar doente não a impediu de se manifestar e dar a maior força para que o jejum fosse encarado com toda a seriedade... E, por mais incrível que pareça, quando finalmente fizemos a avaliação, Marga se juntou novamente ao grupo, com sua saúde restaurada, muito sorridente, esbanjado simpatia e beleza. Hoje a colega Marga encontra-se novamente neste abraço envolvente da EST, para acolher esta justa homenagem. Para todas nós, pastoras da IECLB, este é um momento de entusiasmo e alegria e, ao mesmo tempo, de profunda gratidão a Deus, nossa guia nessas jornadas que se estendem por tão longo tempo. Trata-se hoje de um gesto de reconhecimento e dignidade, que em humildade precisa ser pronunciado, colocado em público! Palavras não têm a capacidade de expressar o suficiente, ainda assim compartilho alguns sentimentos: penso que este é um momento significativo, não somente para a colega Marga, mas para toda a IECLB em sua história pautada pelo serviço junto ao povo de Deus nas comunidades das diferentes regiões deste nosso país, em especial, na região norte, como Belém do Pará. Torna-se relevante não deixar escapar à memória que a atuação da IECLB nestas regiões distantes de sua sede em Porto Alegre, através de pastoras e pastores bem como dos outros ministérios, ajudou a delinear os traços de um novo rosto, que veio a refletir a presença de novos jeitos, através da diversidade de culturas e dons, que convidam para a abertura e o diálogo com diferentes experiências e vivências. Nesta abertura muito se pode avançar também nos caminhos da parceria e da unidade com outras Igrejas e entidades que igualmente se colocam a serviço deste povo marginalizado e sofredor, tenaz em sua luta pela inclusão em todos os âmbitos da vida. Em sua atuação a colega Marga sem dúvida sempre se deixou guiar pelo desafio que consiste em trazer à luz as vivências específicas de mulheres e de outros grupos oprimidos. Ao fazê-lo estava contribuindo para descortinar as relações significativas de poder, tanto no meio social como eclesial. Colocar-se ao lado das pessoas mais humildes e comprometer-se com os grupos minoritários, trouxe-a também para o desafio de assumir o serviço de ouvidora pública, e através desta tarefa exercer o seu ministério eclesiástico e para além dele. Contribuição de grande valor também reside no enfoque bíblico-teológico, que a colega tem colocado como prioridade em sua leitura e práxis pastoral. Sob o paradigma da mediação de gênero, com seu referencial e ponto de partida nas vivências concretas que perpassam a vida em todos os âmbitos e determinam as relações cotidianas, as mulheres passam a ser reconhecidas como sujeito teológico, enquanto co-participantes da produção da memória bíblica e, como sujeito social, na resistência ativa às relações de dominação e subordinação das mulheres e demais minorias oprimidas. Através desta ênfase a colega trouxe para a esfera da reflexão a valiosa contribuição que motiva a repensar o modelo eclesiástico androcêntrico, imperante ainda hoje nas igrejas cristãs. Ao mesmo tempo este enfoque tem sido motivador em especial para as mulheres, que se sentiram envolvidas e motivadas a se engajarem no testemunho e na vivência da Palavra de Deus em seu contexto. Colega Marga, acolha esse gesto de carinho, ainda que grande em reconhecimento pela sua incansável dedicação ao povo de Deus no Estado do Pará, mas também humilde diante da grandeza de Deus, que em sua misericórdia manifesta sua presença libertadora neste mundo. Que este gesto seja para você um momento carregado de significado especial para você como mulher, como ministra da Palavra, portadora do compromisso de construir com os mais humildes uma vida com dignidade, paz e justiça. Que o abraço de Deus envolva você com ternura, e que em seu manto você encontre acalanto e novas forças para a continuidade de sua jornada, hoje e sempre. Parabéns por este dia. Pa. Marli Lutz LAUDÁTIO PARA MARGA ROTHE (disponível no portal Luteranos, em 06/09/2010) Para nós que temos o privilégio de participar deste evento nesta noite, acredito que ficará gravada na memória a tranqüilidade, a leveza e a demonstração de fé e esperança que marcou e continua a ser uma característica da pastora Rosa Marga. Quem a conheceu há mais tempo, provavelmente irá concordar comigo. Quem a conhece agora, terá oportunidade de afiançar esta percepção nesta noite. Rosa Marga viveu intensamente desde sua infância lá longe na pequena Mückenberg, Alemanha, onde nasceu em junho de 1940, filha de Paul Max e Rosa Maria. Marga nasceu em plena Segunda Guerra Mundial. Seus pais imigraram ao Brasil nos anos de 1920, sendo que o avô materno se estabeleceu na Colônia Francisco Sá, Teófilo Otoni, MG. Com a crise do café, pai e mãe retornaram à Alemanha em 1934, passando pela dura experiência da guerra. O pai foi soldado e depois prisioneiro de guerra por 5 anos na Rússia. Antes disso, em 1940 nasceu Rosa Marga que junto com o povo alemão e de outro povos da Europa viveu as privações da guerra, tomando mais tarde conhecimento das perseguições contra mulheres e meninas desamparadas no pós-guerra. Em setembro de 1949, ela, a mãe e duas irmãos embarcaram em Hamburgo rumo ao Brasil, estabelecendo-se na casa do avô materno em Teófilo Otoni. O pai só foi libertado um ano depois, vindo juntar-se então à família em Minas Gerais. Consta que Rosa Marga trabalhou na roça de 1949 até 1956. Nos anos de 1952 e 1953 freqüentou a escola da comunidade luterana de Teófilo Otoni, morando no internato da igreja. Ali também fez o Ensino Confirmatório. Ela afirma que foi com a Confirmação que se tornou membro consciente e atuante da IECLB, igreja na qual veio a tornar-se pastora bem mais tarde e na qual milita até hoje. Teve várias profissões como vendedora, caixa, auxiliar de escritório, cabeleireira e esteticista. Em 1969 casou-se com Antonio das Neves, funcionário do antigo BNH. O casal passou a morar em Belém do Pará, onde Rosa Marga teve dois filhos, Max e Rui, e uma filha, Iva Rothe Neves que a está acompanhando neste evento. Com as crianças pequenas, ela retomou os estudos, completando o 1° e 2° graus num curso supletivo nos anos de 1974 e 1975. Em 1976 fez vestibular e entrou para o curso de Teologia da Universidade Federal do Pará, algo surpreendente do ponto de vista histórico, pois a teologia só viria a tornar-se curso reconhecido pelo MEC em 1999. Mas isto – talvez – pode ser explicado por acontecer em Belém ... do Pará! Rosa Marga recebeu seu título de Bacharelado e Licenciatura em Teologia no final de 1979, num momento em que ela já se tornara importante liderança leiga na incipiente comunidade evangélica luterana de Belém. No ano de 1997 decidiu naturalizar-se brasileira, algo que ela já vivia no coração e na vida pública. De 1992 a 1994 fez curso de Especialização em Teoria Antropológica e, de 1994 a 1998, os estudos de mestrado, na UFPA, escrevendo uma dissertação que teve por tema: “Pentecostais, protestantes? Um estudo da Igreja do Evangelho Quadrangular em Belém”, sob a orientação do Dr. Raymundo Heraldo Maués e da Dra. Anaíza Vergolino e Silva, pesquisa financiada com bolsa da CAPES, e de cuja banca de defesa participou o conhecido sociólogo da religião Paul Freston. O interesse pelos pentecostais certamente está vinculado à sua trajetória pastoral e militância pelos direitos humanos, em que por vezes ela esteve lado a lado com irmãos e irmãs pentecostais. Como educadora popular, Rosa Marga revelou-se incansável. Desde a década de 1970 ela assumiu o desafio da formação de lideranças populares e eclesiais, elaborando materiais pedagógicos, informativos, e também colaborando diretamente na alfabetização de adultos a partir do método Paulo Freire. Não é acaso, portanto, que Rosa Marga tenha colaborado na criação do Centro de Intercâmbio e Estudos Econômicos e Sociais, em Belém, instituição que anos depois deu origem ao Instituto Universidade Popular – UNIPOP, que assumiu a articulação e os estudos ecumênicos naquela cidade de 1987 até o presente. A UNIPOP desde o início contou com o apoio da IECLB e diversos pastores foram liberados para trabalhar em Belém e atuarem naquele importante projeto. Foi a partir dessa experiência e da criação do Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs – CAIC – uma expressão local do CONIC, que se deu início no final dos anos de 1980 a um Curso Ecumênico de Teologia, possivelmente inédito no Brasil. Nesse curso pessoas de diferentes igrejas realizavam estudos em conjunto e somente na segunda parte faziam os estudos confessionais dirigidos por docentes das respectivas igrejas. Este curso veio a preceder a atual Associação Amazônica de Ciências Humanas e Religião – ACER, que conta atualmente com o apoio e credenciamento acadêmico da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo. Em todas estas iniciativas, lá esteve presente Rosa Marga com seu entusiasmo e sua visão de futuro. Em termos ecumênicos, vale registrar que ela foi sócio-fundadora de Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, com sede no Rio de Janeiro e, na IECLB, uma das principais lideranças femininas da PPL – Pastoral Popular Luterana, com a qual colabora até hoje Mas há um campo de atuação em que Rosa Marga sobressaiu por sua teimosia e coerência de princípios. Em 1979 ela concluíra o curso de Teologia. Incentivada e apoiada por seu pastor regional na época, Albérico Baeske, ela se colocou à disposição da IECLB para atuar na pequena comunidade luterana de Belém. Assim, ao mesmo tempo em que realizou estudos sobre confessionalidade luterana orientada por colegas já ordenados ao ministério, ela tornou-se pastora auxiliar em abril de 1981. Em carta pessoal dirigida a Lori Altmann, ela escreveu que um de seus primeiros testes como pastora foi realizar a bênção matrimonial do colega Pastor Emil Schubert com Arlete Pinheiro, uma liderança leiga da pastoral popular da Igreja Católica, ao lado de um padre colega de estudos e a presença de dois dos seus melhores professores. A atuação pastoral de Rosa Marga está pontuada por tais gestos de fé e de convivência ecumênica. Ela escreveu: “Com eles eu me sinto ligada afetiva e solidariamente na mesma caminhada”. Ela exerceu o pastorado de 1981 a 1994, mas a ordenação oficial só aconteceu em fevereiro de 1988, depois de muitos embates teológicos, de um colóquio com a direção da IECLB e pressão das bases da igreja. Só então Rosa Marga tornou-se oficialmente pároca da recém criada Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Belém (1985), da qual foi a primeira pastora residente. Em sua atuação pastoral, a ênfase se deu na contextualização do evangelho numa comunidade já então integrada majoritariamente por pessoas do Pará e da periferia de Belém, pela abertura ecumênica e pelo acompanhamento a projetos de educação popular como o da comunidade da Vila da Barca, em plena favela nas palafitas do rio que banha Belém, como vimos no Video a pouco. Foi a partir dessa concepção de testemunho evangélico e exercício do ministério pastoral que Rosa Marga assumiu a luta pelos direitos humanos com todas as implicações que esta decisão acarretou naqueles tempos obscuros da Ditadura Militar, não sem sofrer com incompreensões de pessoas que lhe queriam bem, mas que não entendiam suas escolhas e projetos. Rosa Marga precisou lutar muito para defender o povo sofrido, perseguido, preso e condenado, principalmente em sua articulação com os movimentos populares, de camponeses e agricultores pobres. Mesmo em setores da IECLB ela colheu oposição e aberta resistência à sua participação explícita e corajosa na contestação às arbitrariedades dos órgãos de repressão do regime militar. É importante registrar aqui – a bem da verdade – que a partir do final de 1980, já então separada do marido, ela não deixou de engajar-se, apesar de ser mãe de três crianças e tendo que assumir o duplo papel de mãe e pai. Nesse contexto, Rosa Marga – levada por uma fé inquebrantável na força do evangelho de Jesus, evangelho da paz, da justiça e do amor solidário – não teve dúvidas em juntar-se a setores da sociedade civil que organizaram a partir de 1977 a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SPDDH, uma ONG que existe até hoje e cujos serviços à causa dos direitos humanos, da cidadania e da defesa de um país mais democrático e justo foram reconhecidos por toda a sociedade paraense e até nacional. Rosa Marga tem em seu currículo passagens inesquecíveis como a defesa da justiça aos 13 posseiros e dois padres presos em 1981 por suposta subversão e crimes contra a segurança nacional, luta que deu origem ao MLPA – Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia, que por mais de 4 anos manteve na imprensa e na sociedade a luta pela libertação e por um tratamento digno daquelas pessoas. Uma passagem memorável foi o jejum de 48 horas realizado em outubro de 1981, de cuja experiência Marga registrou o seguinte, logo após o encerramento daquela vigília na Comunidade do Padre Savino, periferia de Belém, que acolheu afetuosamente o grupo: “Nesta assembléia foi feita uma avaliação deste jejum que para todos foi a primeira experiência e, apesar da maioria ser jovem, todos se declara(ram) muito animados com esta nova descoberta de forças desconhecidas”. É digno de nota que no grupo participaram tanto cristãos como pessoas sem vínculo de fé, mas que se uniram de corpo e alma nesta luta solidária pelos perseguidos políticos. Num outro documento, Marga informa que dois anos depois, o grupo do MLPA continuava a visitar os presos e lhes entregar cartas das esposas, que lutavam por seus maridos desde fora da prisão. A leitura dessas cartas por vezes levava lágrimas aos olhos dos presos que se sentiam fortalecidos e animados para suportar tanta injustiça, as agruras da prisão e maus tratos até alcançarem a sonhada liberdade. Neste ponto cabe-me fazer referência à participação de Rosa Marga no Sistema de Segurança Pública do estado do Pará. Como disse, ela fora uma das co-fundadoras da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. Foi conselheira consultiva, Vice-Presidenta e, de 1987 a 1991, Presidenta da Sociedade. Foi baseada nessa caminhada que diversos setores da sociedade civil a indicaram para a 1ª Ouvidoria do Sistema de Segurança Pública do Pará, cargo que Rosa Marga assumiu nomeada pela então governador Almir Gabriel, tornando-se a Primeira Ouvidora Pública naquele estado e a segunda no Brasil. A primeira foi instituída em São Paulo pelo ex-governador Mario Covas. Ela exerceu este cargo por quatro mandatos, de 1997 a 2004. Se bem entendi, enfrentando toda sorte de dificuldades e oposições por parte de setores da Segurança Pública, Rosa Marga conseguiu instituir este serviço no Pará com muita habilidade e conhecimento de causa. Ela participou ex- oficio do Conselho Estadual de Segurança Pública e nessa qualidade sempre que encaminhou denúncias ao órgão, o fez com muito critério e fundamentada em fatos documentados. Gerenciou programas, trabalhou na formação das polícias através de cursos, palestras e materiais informativos, instituiu o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas de Violência – PROVITA, além do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência – NAVE, que oferece atendimento jurídico, social e psicológico gratuitos, além de outros programas para a garantia dos direitos humanos. Sua atuação sóbria, firme e sempre respeitosa no campo minado que é o da segurança pública lhe valeu muitos desafetos, mas também amplo reconhecimento, como se pode constatar na declaração de um dos comandantes da Polícia Militar do Pará. Este oficial afirmou pessoalmente a ela: “A senhora nos fez gostar daquilo que odiávamos” (isto é, a Ouvidoria). Atualmente, a sociedade civil do Pará já se deu conta de que está em processo uma mudança cultural no estado que passa pela ação civil organizada e pela confiança no diálogo como forma de dirimir conflitos. Em toda a sociedade paraense, é público e notório o serviço prestado pela Pastora e Antropóloga Rosa Marga Rothe, reconhecida por sua teimosia esperançosa na luta pela dignidade humana, seja de quem for, pela coragem civil e pela fé inabalável na paz e na justiça. Não por acaso, executivos e responsáveis pela Segurança Pública no Pará passaram a citá-la como a “nossa Ouvidora”, como sinal inequívoco dos seus esforços pela democracia, respeito aos direitos humanos e transparência no serviço público. E isto, diga-se, com um mínimo de aparato e poucos recursos. Também a imprensa do Pará não deixou de reconhecer e registrar esta trajetória em reportagens e entrevistas. Como resultado de uma pesquisa realizada por um grupo de docentes, técnicos e estudantes de duas universidades locais, foi realizado um detalhadado levantamento sobre mortes e feridos por arma de fogo, envolvendo policiais civis e militares, no período de 1998 a 2001, trabalho recentemente publicado e que só foi possível com a determinação característica de Rosa Marga. O fato de que a atual Ouvidora Pública do Pará é também a Pastora e colega Cibele Kuss, pároca da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Belém não deixa de ser uma conseqüência da atuação de Rosa Marga e um gesto de confiança na garra e na coerência dessas duas mulheres pastoras da IECLB. Estes e tantos outros motivos levaram a que ela recebesse em dezembro de 2004 o Prêmio de Direitos Humanos, conferido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do gabinete da Presidência da República, na capital federal. Em dezembro de 2008, ela recebeu igualmente o Prêmio José Carlos Castro, concedido pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Seccional do Pará, honraria conferida a pessoas que se destacaram na defesa dos Direitos Humanos. Nesta noite, Faculdades EST por decisão de seu Conselho de Administração, vem somar-se a esses gestos de merecido reconhecimento para outorgar à Pastora Rosa Marga Rothe o título de Doutora Honoris Causa. Nós o fazemos com muita honra e enorme alegria entendendo que este é um pequeno gesto pelo tanto que ela fez em prol de uma humanidade mais íntegra, respeitosa para com quem sofre e carregada de esperança em nosso sofrido, mas também auspicioso país. Agradeço por sua presença e paciência. Dr. Roberto E. Zwetsch MARGA ROTHE É PREMIADA PELA OAB PARÁ (Disponível no portal Luteranos, em 10/12/2008) Por ocasião do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro), a OAB do Pará, como faz todos os anos, homenageou uma pessoa que se destacou na defesa desses direitos, com o Prêmio José Carlos Castro. Neste ano, a premiada é a pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Rosa Marga Rothe. Informado da notícia, o pastor presidente da IECLB, Walter Altmann expressou sua grande alegria pela homenagem. “A pastora Rosa Marga Rothe, ao longo de sua vida, tem dado significativos e corajosos testemunhos de solidariedade cristã com pessoas perseguidas e injustiçadas, bem como um comprometimento ecumênico que tem feito avançar a cooperação entre igrejas cristãs, movimentos religiosos e sociedade civil. A pastora Rosa Marga Rothe nasceu na Alemanha, em 1º de junho de 1940, migrou com a família para o Brasil e, após duas décadas em Teófilo Otoni, Minas Gerais, fixou residência em Belém, onde se naturalizou (brasileira, paraense por opção). Estudou Teologia na Universidade Federal do Pará. É especialista e mestra em Antropologia Social. Na IECLB, é fundadora da Paróquia de Confissão Luterana em Belém. Participou da criação da Pastoral Popular Luterana e vem contribuindo com iniciativas feministas. Seu currículo na área da defesa dos direitos humanos é extenso. Fundou a Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos. De agosto 1981 a dezembro 1984, foi ativista no Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia, onde coordenou a comissão ecumênica. No Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais (CIPES) coordenou a equipe de Educação Popular, promovendo alfabetização de adultos (método Paulo Freire). Também participou na criação do Instituto Universidade Popular, em 1987 onde atuou na educação para a cidadania, coordenando o Núcleo de Estudos Ecumênicos. Foi co-fundadora do Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs (CAIC) que, em 1998, iniciou o Curso Ecumênico de Teologia. Foi presidente da Associação Amazônica de Ciências Humanas e da Religião de 2004 até dezembro de 2007, sócio-fundadora e conselheira de Koinonia com sede no Rio de Janeiro e a 1ª Ouvidora do Sistema Estadual de Segurança Pública do Pará, por indicação da Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH), tendo concluído o quarto mandato em julho de 2005. O grande movimento popular e sementeira do espírito ecumênico na região foi o Movimento Pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA), que envolveu cristãos de diferentes tradições, unidos na luta por direitos universais e pela dignidade humana. A pastora Rosa Marga coordenou a coleta de mais de 50 mil assinaturas pela libertação dos 15 presos do Araguaia, estando entre eles dois padres franceses, Aristides Camio e Francisco Gouriuo, ambos enquadrados Lei de Segurança Nacional sob alegação do uso de textos subversivos – um dos quais era o Cântico de Maria.


Vídeo integrante da exposição As rosas Marga não morrem


text-indent

Vídeo produzido pelo Laboratório Digital de História da UFPA